A cláusula hardship serve para prever as hipóteses de revisão do contrato por fatores determinados que gerem desequilíbrio e potencial dano econômico aos contratantes.
O ano de 2019 tem exposto diversos fatores que atingem diretamente a viabilidade e a lucratividade das operações no âmbito da construção civil. A exemplificar: 1) Em virtude da tragédia de Brumadinho, com a consequente paralisação de grande parte da produção da Vale S.A., houve forte alta no valor de comercialização do minério de ferro, insumo essencial para a construção civil. 2) Igualmente, não se desconhece a intenção de setores do Executivo e do Legislativo para concretização da reoneração da folha de pagamento dos agentes econômicos da construção civil.
A construção civil é um setor econômico bastante sensível a fatores externos, capazes de dificultar a execução de projetos ou mesmo inviabilizá-los por completo. Dentre as preocupações atinentes aos inúmeros riscos que afligem os negociantes, a incerteza e a insegurança a respeito da conservação das condições existentes no momento da contratação é a que mais causa receio àqueles que pactuam contratos de prestação continuada, especialmente naqueles de fornecimento de insumos ou serviços de mão de obra.
Em um contexto de crise econômica, a incerteza a respeito da manutenção do equilíbrio econômico do contrato é fundada, a ter em conta a escalada do risco da operação por fatores que fogem ao controle dos contratantes. Por vezes, uma operação comercial malsucedida pode significar o fracasso de um empreendimento e, até mesmo, de uma sociedade empresária. Muito embora o risco seja inerente à atividade, a técnica contratual é apta a reduzir ou eliminar tais riscos com a edição de cláusulas que condicionam a adequação do contrato às realidades impostas às partes.
A força obrigatória dos contratos sofre, em algumas hipóteses, relativização. O próprio Código Civil brasileiro prevê algumas casos em que a revisão, ou até mesmo o término da relação contratual são alternativas válidas. Ocorre que nem sempre o encerramento do contrato é a melhor saída para ambos os contratantes. Do mesmo modo, a revisão dos termos do contrato pelo Poder Judiciário pode se mostrar desvantajosa pela ausência de conhecimento técnico da praxe comercial, da realidade dos contratantes e das necessidades apresentadas pela complexidade e pela dinamização do tráfego econômico.
Partindo-se da premissa de que os contratantes são os maiores conhecedores dos mercados em que atuam, fortalecida por meio da normatização contratual internacional, concebeu-se a chamada cláusula hardship (“endurecimento das condições”, traduzida como cláusula de adequação). A principal função da cláusula é blindar o negócio jurídico de alterações nos cenários político, econômico, climático, legal, tecnológico, dentre outros que as partes julgarem sensíveis e que possam causar algum tipo de desequilíbrio e dano aos contratantes.
Com a finalidade de conservar o negócio jurídico e adaptar o contrato às novas condições impostas pelas alterações dos fatores anteriormente previstos, a cláusula hardship apresenta-se como uma ótima solução na manutenção das parcerias comerciais sem que haja qualquer desgaste na relação entre as partes ou dano econômico aos contratantes.
Muito embora tenha a origem no Direito Internacional, a cláusula apresenta compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro, embasada nos princípios da autonomia privada e do equilíbrio contratual. Tanto é assim que algumas leis brasileiras já preveem a renegociação em caso de mudanças conjunturais, a citar a Lei do Inquilinato, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Licitações.
O Código Civil brasileiro autoriza o encerramento da relação contratual em seu art. 478, desde que preenchidos alguns requisitos, como a imprevisibilidade e a extraordinariedade do fato causador da mudança, para além da existência de onerosidade excessiva à uma das partes e de extrema vantagem para a outra parte. A revisão contratual, por sua vez, está disposta no art. 479 e requer o consentimento das partes.
Infelizmente, o Poder Judiciário apresenta o entendimento de que ele mesmo pode rever o contrato ainda que sem a autorização das partes, presumindo que a revisão é solução mais vantajosa que o encerramento do contrato. Evidentemente, a realidade econômica demonstra que a hipótese não se confirma. Assim, o Poder Judiciário acaba por negar vigência ao art. 479 do Código Civil.
Para evitar a ingerência do Poder Judiciário em questões que podem representar grande prejuízo às partes, sugere-se a edição da cláusula de hardship, capaz de regrar a possibilidade de readequação do contrato em determinados casos. Desse modo, a edição da cláusula válida é primordial, exigindo:
1)A determinação detalhada das hipóteses de incidência, ou seja, que sejam listados todos os fatos capazes de acionar a obrigação de adequar o contrato, a servir como uma espécie de “gatilho” para a revisão;
2) As regras específicas para a alteração, ou seja, de que forma serão procedidas as alterações em termos concretos, que geralmente representam obrigações condicionais, como por exemplo a alteração de preço do produto caso determinada condição comercial seja alterada.
É possível, portanto, estabelecer uma cláusula de hardship que preveja os casos em que o contrato será revisto, a citar: a alta do minério de ferro, alterando todo o contrato de empreitada; a reoneração da folha de pagamento da construção civil, remodelando os contratos de prestação de serviço nas obras; a alta do dólar; e o índice de produtividade de algum dos contratantes. Desse modo, restam estabelecidas obrigações condicionais, funcionando como verdadeiros gatilhos de revisão contratual.
Destaque-se que a ausência da expressa normatização pode representar elevado risco, a ter em conta que tal atribuição será delegada ao Juízo. Por isso, com a disposição a respeito da regra de aplicação, não haverá ingerência prejudicial por meio da judicialização. Também, a indeterminação das hipóteses pode figurar como um grande obstáculo à validade. Assim, a cláusula pode desdobrar-se tão somente em um vazio dever de renegociar.
À vista disso, com a finalidade de manter os vínculos contratuais de maneira frutífera e lucrativa para ambos os contratantes, entende-se necessária a edição de cláusulas de hardship aos contratos de prestação continuada, como medida preventiva, adicionando maior segurança às operações da construção civil. Desta forma, elimina-se o potencial prejuízo advindo da intervenção de um terceiro que desconhece a dinamicidade, a complexidade e a realidade do mercado da construção civil.