Os reflexos do novo coronavírus (Covid-19) já são sentidos no Brasil e a tendência é de que nos próximos dias haja uma intensificação desses desdobramentos. No âmbito do direito do consumidor, alguns aspectos tomam maior relevo, como cancelamentos ou alterações de contratos, prática de preços abusivos de produtos em escassez e readequação do equilíbrio da relação contratual. Vamos ao primeiro aspecto.
Em virtude da pandemia declarada pela OMS, há mudanças em alguns pontos das relações de consumo, regidas pelo Código de Defesa do Consumidor.
É nesse sentido que as companhias aéreas, por exemplo, já anunciaram medidas específicas para alteração e cancelamento de voos, com modificações em relação ao que normalmente é aplicado justamente por causa da situação de caso fortuito, do qual o consumidor não deu causa.
Assim, algumas empresas já se adiantaram e forneceram a remarcação e cancelamento gratuitos aos passageiros com tickets comprados. Isso porque as normas jurídicas protetivas dos consumidores estabelecem que ninguém deve expor sua saúde ou vida em risco em razão dos riscos no fornecimento de produtos e serviços, sendo tal proteção um direito básico do consumidor, de acordo com o art. 6º do CDC.
Recomenda-se, também, que as reservas efetuadas em hotéis e similares, sejam em áreas com contaminação comunitária ou não, possam ser remarcadas ou reembolsadas caso não sejam usufruídas.
Do mesmo modo, os eventos, shows, congressos e afins cujos ingressos já foram adquiridos deverão ser reembolsados ou remarcados, com a decisão de comparecer em nova data ou receber a devolução do que foi pago a cargo do consumidor.
Vale reforçar: os consumidores não podem ficar sujeitos a multas e taxas de cancelamento ou alteração, justamente em virtude do caráter excepcional das medidas de combate ao Covid-19. A recomendação, portanto, é que seja feito contato diretamente com a empresa fornecedora do serviço. Caso não surta efeito, pode ser buscado auxílio junto aos órgãos de proteção dos consumidores ou no Poder Judiciário.
Já no que diz respeito ao aspecto comum em épocas de calamidade, qual seja, a prática de preços abusivos de produtos essenciais ou escassos, tal como água mineral, álcool gel e outros produtos de higiene, a recomendação é que seja realizada denúncia junto aos órgãos protetivos do consumidor ou Ministério Público, organismos competentes para fiscalização e defesa da coletividade. Aumentar de forma abusiva os preços de produtos valendo-se de situação de calamidade é prática vedada na legislação consumerista brasileira, conforme o art. 39 do CDC, e enseja punições ao infrator.
Também sobre esse critério, vale o bom senso do consumidor: adquirir somente a quantidade necessária, sem formar estoque que poderá, em razão do desabastecimento, prejudicar outros consumidores.
Um outro ponto que merece destaque são os contratos de prestação continuada, sejam de fornecimento de bens ou serviços, como por exemplo academias, pacote de aulas, entregas regulares de produtos, planos mensalistas. Em regra, a situação de pandemia não autoriza o rompimento desses contratos. O que deverá ser feito, caso a caso, é a análise do equilíbrio da relação jurídica, que poderá se tornar extremamente penosa para alguma das partes, principalmente na ocasião de isolamento.
O art. 51 do CDC estabelece rol de cláusulas consideradas abusivas, dentre elas aquelas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou situação de onerosidade excessiva. Por sua vez, o art. 6º estabelece o rol de direitos básicos do consumidor, dentre os quais a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
Dessa forma, é possível a revisão desses contratos, com atitudes pautadas na boa-fé dos contratantes, sem que haja o intuito de obter vantagem diante da situação aflitiva a todas as áreas de atividades econômicas. A depender da hipótese caberá a modificação do contrato, especialmente para evitar prejuízos ainda maiores aos consumidores e empresas. Assim, é viável a demanda de suspensão ou readequação do serviço, acordando-se entre as partes novas condições.
É tempo de diálogo e respeito às normas jurídicas, exigindo-se esforço conjunto para superar o momento de adversidade, preservando-se em primeiro lugar a saúde e bem-estar dos indivíduos. Com a observância desses fatores a recuperação será mais fácil.