Já no final de 2021 e, agora em 2022, uma questão tributária ganhou extrema relevância ao contribuinte: a possibilidade ou não de cobrança do Diferencial de Alíquotas (DIFAL) de ICMS ao longo de todo o exercício corrente.
Isso porque, como será demonstrado adiante, os poderes Executivo e Legislativo tardaram em cumprir o comando determinado pelo Supremo Tribunal Federal no tocante à exigência de Lei Complementar para a cobrança do DIFAL.
A Decisão do Supremo Tribunal Federal
Em 24/02/2021 o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o Recurso Extraordinário n. 1.287.019 – sujeito à Repercussão Geral -, fixou a seguinte tese: “A cobrança do diferencial de alíquota alusiva ao ICMS, conforme introduzido pela emenda EC 87/2015, pressupõe a edição de lei complementar veiculando normas gerais”.
Isso significa que, na ausência de Lei Complementar no âmbito federal, os Estados não poderiam mais exigir e regular a cobrança do diferencial de alíquota de ICMS, nem mesmo por meio de atos do executivo ou por lei estadual, como sempre fora realizado.
Entretanto, a fim de conferir à União um prazo razoável para a edição de Lei Complementar sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos de sua decisão para a partir de 2022.
Desse modo, para a cobrança do DIFAL em 2022, bastaria a aprovação de Lei Complementar sobre o assunto ainda em 2021, preferencialmente até o final do mês de setembro, de modo que a partir de 01/01/2022 seriam respeitadas as anterioridades de exercício e nonagesimal.
O Trâmite Legislativo do Projeto de Lei Complementar n. 32/21
Diante do cenário apresentado – decisão do STF condicionando a cobrança de DIFAL à edição de Lei Complementar, bem como dos marcos temporais relacionados às anterioridades de exercício e nonagesimal -, foi proposto, em 15/03/2021 pelo Senado Federal, o Projeto de Lei Complementar n. 32/21 que, após deliberação, foi remetido à Câmara do Deputados em 06/08/2021.
Após análise pela casa revisora (Câmara), em 16/12 foi remetido ao Senado um substitutivo ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 32/21, o qual foi rapidamente aprovado no dia 20/12, com 70 votos favoráveis e nenhum contra. Com isso, o Projeto de Lei Complementar foi submetido à sanção presidencial.
Ocorre que, a despeito de todo o esforço operado pelas casas legislativas para aprovação do PL n. 32/21 ainda no ano de 2021, a sanção presidencial ocorreu somente em 04/01/2022, dando origem à Lei Complementar n. 190/22.
Anterioridade de Exercício e Nonagesimal
Conforme mencionado anteriormente, a corrida legislativa para aprovação do PL n. 32/22 se deu em razão dos princípios constitucionais tributários da anterioridade de exercício e nonagesimal.
Pela anterioridade de exercício, prevista no art. 150, inciso III, “b”, da Constituição Federal, “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.
Assim é que, por força da anterioridade de exercício, instituída a cobrança do DIFAL em qualquer momento de 2021, sua cobrança somente seria possível a partir de 01/01/2022.
Já pela anterioridade nonagesimal, prevista na alínea seguinte (art. 150, inciso III, “c”, da CF), é vedado aos entes federativos cobrarem tributos “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.
É importante ressaltar que, salvo exceções previstas expressamente na Constituição Federal, ambas as anterioridades são aplicadas cumulativamente, de modo que um tributo instituído em um exercício somente pode ser exigido: a) no exercício seguinte; e b) desde que decorrido o prazo de 90 (noventa dias), o que ocorrer depois.
Com isso, no caso de um tributo ser instituído em 01/12/2021, sua cobrança será possível: a) pela anterioridade de exercício, a partir de 01/01/2022; 2) pela anterioridade nonagesimal, a partir de 01/03/2022.
É por essa razão que, conforme mencionado anteriormente, a aprovação do Projeto de Lei Complementar n. 32/21 deveria ter ocorrido, preferencialmente até 01/10/2021, de modo que o prazo respeitaria ambas as anterioridades.
Efeitos da Promulgação Tardia
Como exposto, a Lei Complementar n. 190/2022, oriunda do Projeto de Lei Complementar n. 32/21, somente foi promulgada após sanção presidencial em 04/01/2022.
Diante disso, por força do princípio da anterioridade de exercício, o DIFAL somente poderia ser exigido a partir de 01/01/2023, de forma que durante todo o ano de 2022 os estados não poderiam cobrar o diferencial de alíquota em operações interestaduais com destino ao consumidor final.
Trata-se de situação cuja repercussão econômica é extremamente significativa, uma vez que nessas operações seria devida apenas a alíquota interestadual ao estado de origem, sem qualquer espécie de ônus tributário ao estado de destino que se veria impossibilitado de exigir o DIFAL.
Precedentes
A questão vem movimentando tribunais por todo o país, uma vez que os contribuintes que realizam venda de mercadorias a consumidores finais vem exigindo a não cobrança do DIFAL com base no princípio da anterioridade.
No Estado de São Paulo, por exemplo, há decisões conflitantes para ambos os lados. Recentemente, a 2ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de São Paulo, em decisão liminar, decidiu a favor do contribuinte (1003798-21.2022.8.26.0053):
Nessa mesma toada, deve ser aplicado o princípio da anterioridade tributária geral, uma vez que a LC 190/2022 foi promulgada apenas em 04 de janeiro de 2022. Com a edição da EC 87/2015, possibilitou-se a cobrança do DIFAL nas operações entre o remetente do produto e o estado de destino das operações sujeitas ao ICMS quando adquiridos por consumidor final não contribuinte do imposto. Sucede que a EC 87/2015 não possui efeitos automáticos, impondo-se sua regulamentação por lei complementar. E essa regulamentação ocorreu apenas com a LC 190/2022, uma vez que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do Convênio ICMS 93/15. Assim, apenas com a Lei Complementar 190/2022 é que o diferencial de alíquotas pôde ser, constitucionalmente, exigido. E não há dúvida de que para aquele contribuinte que, antes dessa lei complementar, recolhia apenas o tributo em seu estado de origem, a obrigação de recolher a diferença para o estado de destino quando a alíquota deste é superior à daquele, implica em majoração do imposto.
A tese certamente encontrará um sem número de casos no país, uma vez que os contribuintes interessados no não recolhimento do DIFAL serão forçados a entrar com ações em todos os estados nos quais possuem consumidores como destinatários finais de suas mercadorias.
O que fazer para não recolher o DIFAL?
Como mencionado acima, o contribuinte, por meio de seus advogados, deve ajuizar ações nos estados de interesse. Sugere-se, para tanto, a impetração de mandado de segurança, seja em razão de sua celeridade, seja por conta do baixo risco econômico envolvido em caso de insucesso da tese.