LEI DO PRONTUÁRIO MÉDICO ELETRÔNICO
Nova lei passou a regular o prontuário médico eletrônico. Médicos e clínicas médicas devem estar atentos às novas regras.
1.O que diz a lei do prontuário eletrônico
No apagar das luzes de 2018, dia 28 de dezembro, foi publicada e entrou em vigor a lei que “dispõe sobre a digitalização e a utilização de sistemas informatizados para a guarda, o armazenamento e o manuseio de prontuário de paciente”.
A lei em questão trata da digitalização e da utilização de sistemas informatizados para armazenamento e manuseio de prontuários. Prevê que o processo de digitalização do prontuário deve assegurar “a integridade, a autenticidade e a confidencialidade” do documento digital. Além disso, o documento digital deverá: (i) reproduzir todas as informações dos documentos originais, se tiver sido digitalizado; (ii) utilizar certificado digital; (iii) obedecer a requisitos dispostos em regulamento.
Os meios de armazenamento dos documentos digitais deverão protegê-lo contra acesso, uso, alteração e destruição não autorizados e, no caso de documentos físicos digitalizados, deverá ser utilizado sistema de gerenciamento eletrônico de documentos, com características estabelecidas em regulamento.
Após a digitalização, os documentos originais poderão ser destruídos. Para tanto, o prontuário original deverá passar pela revisão de uma comissão especial, que “constatará a integridade dos documentos digitais e avalizará a eliminação dos documentos que os originaram”.
A lei estabelece expressamente que o prontuário digital ou digitalizado terá a mesma validade que o seu correspondente em meio físico, para todos os fins, desde que obedecidas as normas estabelecidas na própria lei e nos regulamentos que dela se originarem.
Por fim, a legislação determina o prazo mínimo de 20 (vinte) anos após o último registro para que o prontuário, físico ou digital, possa ser eliminado ou devolvido ao paciente, garantindo-se a confidencialidade durante o processo de destruição.
Vale dizer, ainda, que já havia resoluções do Conselho Federal de Medicina que regulamentavam – com algumas similitudes à nova legislação – os prontuários eletrônicos em instituições médicas.
2. A aplicação da lei do prontuário médico eletrônico pode gerar dúvidas
Isso posto, pode-se destacar algumas questões que levantam dúvidas na nova legislação.
Em primeiro lugar, parece não haver uma especificação expressa sobre quais profissionais ou estabelecimentos de saúde estão sujeitos às novas normas. A partir de uma análise sistemática, considerando-se que a lei trata do prontuário, e não do hospital ou da clínica, parece ser verdadeiro que tais normas se aplicam a todo e qualquer prontuário eletrônico, seja em hospitais, em clínicas, em consultórios ou postos de saúde, em atividades médicas, odontológicas, de tratamento psicológico ou fisioterapêutico, dentre outras.
Todavia, parece não ter sido considerado o fato de que em alguns hospitais os sistemas de armazenamento de prontuários, quando eletrônicos, são bastante arcaicos, certamente não comportando modernos sistemas de certificação. Essa realidade pode ser especialmente presente em pequenos postos de saúde. Para esses talvez o passo atrás para o retorno ao prontuário físico (com o consequente afastamento das disposições dessa lei) seja o caminho imposto pela dificuldade em se adequar. Raciocínio similar pode ser aplicado às pequenas clínicas e consultórios.
Em segundo lugar, a lei prevê em quatro situações a referência a um regulamento que, certamente, ainda não foi editado: (i) regras para o processo de digitalização, (ii) regras para gerenciamento de documentos eletrônicos, (iii) regras para prazos diferenciados de guarda do prontuário, (iv) regras para destinação e eliminação do prontuário.
Assim, boa parte das normas aplicáveis estão, na prática, em aberto, apesar da vigência imediata da legislação (especialmente em relação às regras para o processo de digitalização, previsão bastante aberta que praticamente inviabiliza o cumprimento da lei até a publicação do regulamento).
Em terceiro lugar, há a criação da figura de uma “comissão permanente” com a finalidade específica de revisar os procedimentos de digitalização do prontuário e avalizar a eliminação dos originais.
É provável que as especificidades quanto à criação dessa comissão sejam previstas nos regulamentos que a lei promete. No entanto, é intuitivo que tal comissão deva criar um custo adicional no processo de digitalização de prontuários para os estabelecimentos de saúde, especialmente para aqueles de menor porte.
3. Estabelecimentos de saúde podem ter dificuldade em adequar o prontuário eletrônico
Em síntese – em uma primeira análise – parece ter sido criada uma regra geral para proteção dos dados dos pacientes, tanto é que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais também se aplicará aos prontuários eletrônicos quando entrar em vigor, em agosto de 2020, por força do artigo 1º.
Tudo indica, contudo, que foi pensada especialmente para hospitais (provavelmente esquecendo da situação de penúria que alguns deles suportam no Brasil), uma vez que traz obrigações como certificação digital, criação de comissão permanente e sistema especializado de gerenciamento de documentos. A preocupação da legislação está evidente em dar segurança à digitalização de prontuários físicos por grandes hospitais que certamente sofrem com a logística de arquivá-los em suas sedes. Parece que não se considerou a dificuldade que estabelecimentos menores podem ter para se adequar.
Outras questões ainda podem surgir da interpretação e aplicação da nova lei, mas a edição dos regulamentos prometidos deve dar mais subsídio ao debate. Apesar disso, é importante que os profissionais da saúde estejam atentos às possíveis exigências legais e aos impactos de tais obrigações em seus estabelecimentos de saúde.