Não é incomum, entre as operadoras de planos de saúde, a prática de não autorizar a realização de certos procedimentos médicos, ainda que absolutamente necessários e prescritos por profissionais especializados. Via de regra, a justificativa das empresas é a ausência, em relação ao procedimento específico, de previsão no rol de procedimentos da ANS.
A lei n. 9.656/1998, que regula os planos e seguros privados de assistência à saúde, deixa evidente que os planos devem garantir aos consumidores uma cobertura mínima, constante do rol de procedimentos gerido pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Em resumo: se o procedimento médico estiver na lista e o contrato não disciplinar expressamente de forma diversa, a empresa é obrigada a disponibilizá-lo.
A controvérsia reside nos procedimentos que não estão no rol gerido e atualizado pela ANS, em razão da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação existente entre o beneficiário e a operadora do plano de saúde. Em respeito à legislação consumerista, diversos estudiosos defendem que o rol da ANS representa uma cobertura mínima, que pode ser complementada, a depender da necessidade do usuário.
Ao cruzar as normas mencionadas, caso a operadora do plano de saúde pretenda excluir da cobertura um determinado procedimento, essa retirada deve estar expressamente prevista no contrato, em cláusula destacada.
Nos casos em que não há a previsão contratual de exclusão e o usuário necessite um procedimento que não consta no rol, surge o conflito entre a operadora e o consumidor. Diante das negativas e da insegurança gerada pela possibilidade de não ter acesso ao tratamento, os consumidores costumam buscar auxílio jurídico para solucionar o problema.
De um lado, os planos de saúde entendem que o rol de procedimentos da ANS é taxativo; do outro, os consumidores buscam evidenciar que se trata de uma lista exemplificativa.
Em 10 de dezembro de 2019, ao julgar o Recurso Especial n. 1.733.013, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, negar a cobertura de procedimento não previsto no rol fixado pela ANS, ou seja, afirmou que o rol é taxativo.
A posição destoa da jurisprudência consolidada do Tribunal, que usualmente decide no sentido de conceder judicialmente a realização de procedimentos de saúde necessários, ainda que não previstos no rol, desde que haja respaldo em evidências científicas.
No caso do REsp. n. 1.733.013, a segurada da operadora teve um procedimento cirúrgico na coluna negado por não constar no rol da ANS. Na decisão recorrida, o Tribunal de Justiça do Paraná entendeu que, em havendo procedimento semelhante, com eficácia comprovada, a negativa é justificada, ainda que o médico responsável pela paciente tenha expressamente indicado outro procedimento.
Para a ANS, considerar o rol exemplificativo impõe uma condição de insegurança no tocante ao equilíbrio econômico-financeiro do sistema de saúde suplementar, considerando o possível efeito cascata de ações judiciais.
Segundo o IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), trata-se de decisão prejudicial aos consumidores e representa uma guinada em posicionamentos anteriores da Corte.
No voto, o ministro Luis Felipe Salomão destacou a ciência a respeito da existência de precedentes na 3ª Turma do STJ, no sentido de que o rol da ANS seria exemplificativo. No entanto, ao ponderar os efeitos econômicos de um rol meramente exemplificativo, o relator defendeu a necessidade de previsibilidade econômica às operadoras dos planos, como forma de viabilizar um acesso mais amplo da população à cobertura de saúde suplementar.
Ao fim, o julgador destaca que, em situações pontuais, o posicionamento do Poder Judiciário pode e deve ser diferente, desde que haja decisão fundamentada no sentido de garantir procedimento efetivamente imprescindível ao usuário do plano de saúde.
É possível que o tema volte a ser discutido na 2ª Seção da Corte, já que se espera um posicionamento divergente na 3ª Turma. Nesse sentido, é importante que os consumidores e as operadoras de planos de saúde permaneçam atentos até que haja uma sedimentação vinculante do tema no STJ.
No meio tempo, como forma de evitar disputas judiciais, os consumidores devem se atentar ao disposto nos contratos com as operadoras, notadamente no que se refere às exclusões expressas. Assim, reduz-se consideravelmente os riscos de uma eventual negativa infundada por parte das operadoras de planos de saúde. Diante das cautelas sugeridas, caso a negativa ocorra, o consumidor deve buscar a reversão da decisão judicialmente, por meio de um advogado ou uma advogada de sua confiança.