Saiba como a recente “Lei do Distrato” aborda aspectos relacionados à devolução de valores pagos pelo adquirente de imóvel, direito de arrependimento e redação contratual.
No apagar das luzes de 2018 foram sancionadas algumas leis federais de importante repercussão. Dentre elas, a Lei 13.786, de 28 de dezembro, que provocou reflexos no mercado imobiliário.
É a chamada “Lei do Distrato”, que acrescentou artigos às leis de Incorporação Imobiliária e Parcelamento do Solo Urbano.
Desde 2014, o mercado imobiliário brasileiro sofreu grande impacto com a crise econômica nacional. Nesse cenário, o distrato de imóveis aumentou vertiginosamente, em razão de fatores como inadimplemento do adquirente, desemprego e alta de juros. Números da agência de risco Fitch apontaram um percentual de devolução de imóveis adquiridos “na planta” no patamar de 41% em 2015.
Muitas vezes, a ruptura contratual terminava na esfera judicial, tendo os tribunais fixados alguns parâmetros para resolver os conflitos entre incorporadoras e consumidores.
O modelo de incorporação, todavia, financia a construção do empreendimento, em regra, via a alienação dos imóveis na planta. Desse modo, quem arca com o custo do distrato é a incorporadora, o que pode levar, em determinados casos, à impossibilidade de finalizar a obra e por consequência prejudicar os demais adquirentes.
A nova legislação, assim, tenta equilibrar a relação dos consumidores e incorporadores por meio de algumas disposições inéditas e outras inspiradas na jurisprudência sobre o tema. Vamos aos principais pontos:
- Dedução (pena convencional), pelo incorporador, de até 25% das parcelas pagas pelo consumidor, no caso de distrato ou resolução por inadimplemento da obrigação do adquirente, com a devolução do restante em até 180 dias após a data do desfazimento do contrato. Caso a incorporação esteja submetida ao patrimônio de afetação (instituto jurídico que separa o patrimônio do incorporador e do empreendimento específico, com vinculação de receitas à obra), o patamar limite da dedução é de 50% do que foi pago, com a devolução do restante até 30 dias após o habite-se. Nas duas hipóteses é permitida a dedução do valor integral que foi pago como comissão de corretagem.
- Direito de arrependimento: é permitido ao adquirente que tiver firmado o contrato em estandes de vendas ou fora da sede do incorporador o exercício do direito de arrependimento, no prazo de 7 dias, com a devolução de todos os valores que tiverem sido antecipados, inclusive comissão de corretagem.
- Caso pactuado, prazo de tolerância de “atraso” na entrega da obra em até 180 dias, sem ensejar pagamento de multa por parte do incorporador ou causa à resolução de contrato por parte do adquirente.
- Loteadores e Incorporadores deverão incluir nos contratos de compra e venda, promessa de venda e cessão um quadro-resumo, no início do contrato, com algumas informações básicas essenciais definidas na lei, inclusive as consequências do desfazimento do contrato e o direito de arrependimento.
- As cláusulas que tratem das consequências do desfazimento do contrato devem ser destacadas e o adquirente deve assinar ao lado de cada uma delas, para atestar ciência do conteúdo da cláusula.
Essas disposições prometem esclarecer questões que até então eram discutidas nos tribunais, o que, a princípio, confere maior segurança jurídica às partes envolvidas no negócio imobiliário.
Contudo, já despontam críticas a alguns elementos da lei, principalmente sobre eventual conflito normativo com o Código de Defesa do Consumidor, em específico no patamar limite de “retenção” de 50% do que foi pago pelo adquirente na hipótese da incorporação estar submetida ao regime do patrimônio de afetação.
Em regra, as decisões judiciais anteriores à nova lei vinham determinando o limite máximo de dedução de 25%, sendo comum ser estabelecido entre 10% e 20%. O patamar fixado pela lei, para alguns juristas, é confiscatório e atenta contra o equilíbrio contratual, mesmo nos casos em que há paridade e que não seria aplicável o CDC.
Por todas essas razões, o momento é de cautela. Se por um lado é possível festejar a nova legislação como mola propulsora do mercado imobiliário, verdadeiro estímulo às novas incorporações e movimento desse importante setor produtivo brasileiro, por outro registra-se a preocupação com que os tribunais tratarão o tema, especialmente no que tange à defesa dos direitos dos consumidores adquirentes de imóveis. Será preciso, portanto, verificar os riscos envolvidos antes de promover alterações nos contratos de compra e venda de unidade imobiliárias.