O presente artigo tratará de hipóteses em que, embora haja movimentação de mercadorias, não ocorre fato gerador do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), como é o caso de retorno de mercadorias fora do prazo regulamentar.
O que é e quando incide o ICMS?
O Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), previsto no artigo 155, II, da Constituição e regulamentado pela Lei Complementar n. 87/1996, é um tributo estadual que incide sobre a circulação de mercadorias e a prestação de serviços de transporte e comunicação.
Conforme o próprio nome denota, o ICMS incidirá quando uma determinada empresa promover a circulação de mercadorias ou de serviços. No entanto, no caso das mercadorias, há situações em que, embora haja deslocamento de produtos, não ocorre o fato gerador do tributo, conforme será explorado em seguida.
Deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte
O exemplo mais trivial da situação introduzida — quando, apesar da circulação de mercadorias, não incide o ICMS — é o das situações em que mercadorias são deslocadas entre estabelecimentos pertencentes à mesma empresa.
A despeito da aparente obviedade do tema, no sentido de que, não havendo a alteração da titularidade, não há que se falar em circulação e, consequentemente de ICMS, os fiscos estaduais insistiam na cobrança.
Com isso, o STF – que já havia manifestado-se reiteradas vezes sobre a não incidência -, através do julgamento da ADC 49, declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar n. 87/1996 que previam a incidência do ICMS na transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular.
Sendo assim, reafirmou-se o entendimento de que, para que haja o fato gerador do ICMS, não basta o mero deslocamento físico da mercadoria, mas uma efetiva transferência de sua titularidade.
Saída para conserto, reparo ou industrialização
Outras hipóteses em que, embora a mercadoria saia do estabelecimento, não incide sobre esta operação o ICMS, são os casos de saída para conserto, reparos e industrialização, entre outras situações em que não há, efetivamente, mudança da titularidade sobre aqueles bens.
Nesses casos, é comum que os Regulamentos do ICMS das unidades federativas criem uma hipótese de diferimento do tributo, com a previsão de prazos para retorno das mercadorias deslocadas. Em Santa Catarina, o Regulamento do ICMS (RICMS/SC) assim prevê:
Art. 27. Fica suspensa a exigibilidade do imposto nas seguintes operações internas e interestaduais:
I – a saída de qualquer mercadoria, para conserto, reparo ou industrialização, desde que retorne ao estabelecimento de origem, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da saída, observado o seguinte (Convênios ICM 15/74, 25/81, ICMS 34/90 e 151/94):
a) o prazo poderá ser prorrogado uma vez pelo Gerente Regional da Fazenda Estadual, por igual período, mediante requerimento fundamentado do contribuinte;
Com a leitura do dispositivo supramencionado, constata-se que o ente federativo — no presente caso, o estado de Santa Catarina — estabelece prazo de 180 dias para retorno das mercadorias (prorrogável por igual período), a partir do qual, em tese, o tributo poderia ser exigido.
No entanto, com o efetivo retorno, ainda que fora do prazo, haveria fato gerador do tributo, isto é, há circulação de mercadoria?
Retorno de mercadorias fora do prazo
Veja, conforme exposto acima, o fato gerador do ICMS é a circulação jurídica da mercadoria, ou seja, a alternância de titularidade: transfere-se a propriedade do bem entre duas pessoas.
Na remessa para conserto, reparo ou industrialização, por exemplo, o produto desloca-se fisicamente de um estabelecimento de uma empresa para outra, com a promessa de retorno. A legislação estadual, como demonstrado, suspende a exigibilidade do tributo, sob a condição de que o retorno das mercadorias ocorra em até 180 (cento e oitenta) dias.
Todavia, não é incomum que este produto, de fato, retorne – hipótese em que não haveria a transferência de titularidade, visto que o produto regressou -, mas fora do prazo previsto no regulamento de ICMS.
Nesses casos, sustenta o fisco que, independentemente do retorno, o tributo seria devido por descumprimento do prazo regulamentar. Ora, ao admitirmos essa hipótese, estaríamos diante de um novo – e inconstitucional – fato gerador do tributo: o envio de mercadoria com retorno fora do prazo, sem translação de titularidade.
À vista disso, é possível concluir que não haveria incidência do ICMS, ainda que tivesse ocorrido atraso no retorno das mercadorias, uma vez que ausente o fato gerador de tal tributo (a transferência de titularidade dos bens).
O que seria admissível, em tese, é que, caso ocorra fiscalização em momento posterior ao prazo estipulado no Regulamento do ICMS e se constate mercadorias pendentes de retorno, o fisco poderia, pautado na lei, presumir que houve, de fato, transferência daqueles bens, e assim autuar o contribuinte.
No entanto, incorre em severo equívoco a autoridade fiscal que, mesmo ao reconhecer o regresso das mercadorias (ainda que extemporâneo), insiste na incidência de ICMS, pelo descumprimento do prazo (criando, portanto, nova hipótese de incidência do tributo).
Sobre isso, ainda não houve, na jurisprudência, pacificação da matéria. Desse modo, encontra-se nos tribunais decisões no sentido tanto da incidência, quanto da não incidência do ICMS em operações de retorno de mercadorias fora do prazo previsto.
Conclusão
Do exposto, conclui-se que o mero deslocamento, quando há o retorno de mercadorias, não configura (ou não deveria configurar) fato gerador do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, sendo necessária a efetiva mudança de titularidade para que incida tal tributo.
No entanto, é necessário tomar precauções para garantir maior segurança às operações, evitando, assim, qualquer intercorrência no que diz respeito à não incidência do ICMS nas situações comentadas.