Introdução
No planejamento sucessório, um dos objetivos é garantir que a administração dos bens e a execução das vontades do titular ocorram de forma eficiente tanto após seu falecimento quanto em situações de incapacidade. Entre os diversos instrumentos jurídicos utilizados para essa finalidade, destaca-se a procuração in rem suam, também conhecida como procuração em causa própria.
Esse instrumento tem ganhado popularidade por possibilitar uma maior autonomia na gestão patrimonial, conferindo ao mandatário poderes amplos para agir em nome do outorgante, inclusive na disposição de bens.
Assim, a procuração em causa própria surge como uma ferramenta estratégica dentro do planejamento sucessório, podendo evitar burocracias excessivas e proporcionar maior segurança na transmissão de bens.
Neste texto, serão abordados o conceito, as principais características, as vantagens e os riscos do uso da procuração em causa própria no planejamento sucessório.
O que é uma procuração em causa própria?
A procuração in rem suam, também conhecida como procuração em causa própria, é um tipo de mandato em que o outorgante confere ao procurador poderes para agir em seu nome, conferindo-lhe autonomia para tomar decisões em situações específicas, sem a necessidade de autorização expressa do outorgante.
Essa modalidade de procuração possui validade jurídica permanente, pois seus efeitos perduram mesmo após a morte do outorgante. Trata-se de um instrumento irrevogável, ou seja, uma vez outorgado, não pode ser unilateralmente revogado pelo outorgante. Para que o documento seja revogado e um novo seja outorgado, será necessária a anuência do procurador.
A autonomia na transferência de bens é outra característica relevante, pois o mandatário pode transferir para si os bens descritos na procuração, desde que respeitadas as formalidades legais.
Ainda, a procuração em causa própria dispensa a prestação de contas, diferentemente de outras modalidades de mandato, onde o procurador não está obrigado a prestar contas ao outorgante.
Assim, esse instrumento faculta a uma pessoa designada anteriormente a autoridade para administrar e dispor dos bens e direitos do outorgante. Mesmo que o outorgante venha a falecer, a procuração mantém sua eficácia, beneficiando o procurador de acordo com os poderes que lhe foram conferidos, sem que isso necessariamente reflita a vontade do outorgante. Em suma, mesmo após a morte do outorgante, a procuração continua válida, favorecendo o procurador independentemente dos desejos originais do outorgante.
Como é a sua utilização no planejamento sucessório?
A procuração em causa própria representa um recurso valioso no planejamento sucessório, especialmente por evitar os longos e onerosos processos de inventário. Entre suas principais aplicações, destaca-se a agilidade na transferência de bens, já que o instrumento permite ao mandatário dispor dos bens em vida, sem a necessidade de aguardar o inventário para formalizar a transmissão patrimonial.
Ao utilizar a procuração, o mandatário atua em nome do mandante, exercendo poderes conferidos formalmente para realizar atos como a transferência de patrimônio, respeitando os limites estabelecidos no documento. Por outro lado, a disposição de bens pelo próprio mandatário refere-se à sua autonomia total sobre bens de sua titularidade, sem depender de autorização de terceiros ou de limites impostos por outra pessoa. Assim, enquanto a procuração envolve representação de outro, a disposição direta reflete decisões pessoais e independentes.
Além disso, a procuração em causa própria pode reduzir custos, minimizando despesas processuais e tributárias geralmente presentes no inventário. Entre os encargos que podem ser reduzidos destaca-se o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), aplicado na transferência de bens por herança ou doação. A transmissão realizada em vida por meio da procuração possibilita um planejamento tributário que pode reduzir ou diferenciar o impacto desse imposto, evitando os trâmites formais do inventário, seja este judicial ou extrajudicial, bem como reduzindo os custos com emolumentos e outras tributações vinculadas ao inventário.
Contudo, deve-se considerar que, na transferência de bens, há a necessidade do pagamento do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis), que incide especificamente na transferência de imóvel. Ademais, é comum que essa operação exija uma justificativa apropriada — como, por exemplo, a formalização de uma compra e venda — para que se caracterize a efetiva transferência do bem.
Riscos de sua utilização
No planejamento sucessório, a utilização deste tipo de procuração, embora atraente, não está isenta de riscos. Sua irrevogabilidade impede o outorgante de desfazer o ato, configurando um compromisso definitivo. Ademais, por possuir eficácia imediata, o procurador – seja ele filho ou outro familiar – pode realizar a transferência de bens independentemente do falecimento do titular.
Com isso, mesmo havendo uma possível desvirtuação do propósito inicialmente intentado, o procurador detém o direito legal de exercer os poderes atribuídos a qualquer momento.
Outro ponto crítico diz respeito ao substabelecimento de poderes, que permite que o mandatário repasse suas atribuições a terceiros, aumentando o risco de desvio patrimonial. Paralelamente, se o outorgante desejar alienar um dos bens abrangidos pela procuração – cujo objeto deve estar descrito de forma expressa no mandato – ele necessitará da anuência do procurador para revogar o documento e outorgar um novo. Sendo importante destacar o sério risco de que o outorgante, atuando de má-fé, possa transferir imóvel a terceiros sem o conhecimento ou consentimento do procurador. Tal conduta pode ocasionar conflitos e prejuízos significativos, comprometendo a integridade do planejamento sucessório e a segurança patrimonial.
Por fim, vale ressaltar que a procuração em causa própria não possui eficácia translativa, ou seja, não transfere automaticamente a propriedade dos bens, sendo indispensável a formalização por meio de escritura e registro para que a transferência seja efetivada.
Conclusão
Em síntese, a procuração em causa própria pode ser uma ferramenta estratégica de planejamento sucessório, aliando agilidade na administração e transferência de bens à redução de custos processuais e tributários. Contudo, sua irrevogabilidade e eficácia imediata impõem riscos não insignificantes, como a possibilidade de o procurador agir de forma indevida ou mesmo do outorgante transferir imóveis a terceiros sem o conhecimento do mandatário, sempre por meio de operações fundamentadas em justificativas específicas, uma vez que não há registo do mandato na matrícula do imóvel, por exemplo.
Diante desse cenário, torna-se essencial que a utilização desse instrumento seja acompanhada de uma análise jurídica minuciosa. A assessoria de um advogado especializado é imprescindível para avaliar os contornos legais de cada situação, adequando o planejamento às necessidades individuais enquanto se resguarda os interesses patrimoniais e familiares. Apenas com uma orientação profissional é possível potencializar os benefícios da procuração em causa própria e mitigar os riscos inerentes a sua aplicação.