Proposta de Reforma do Código Civil
Em abril de 2024 foi entregue ao Senado Federal um anteprojeto de reforma do Código Civil, elaborado por uma comissão de juristas cujo trabalho de análise e redação iniciou em outubro de 2023.
O objetivo dessa comissão de juristas era revisar disposições do Código Civil e propor alterações para atualização dessa legislação, deixando-a mais consonante com questões e demandas atuais da sociedade.
Tratando-se de anteprojeto, o texto ainda deverá passar por todo o já bem conhecido processo legislativo antes que se torne uma lei que efetivamente altere a redação do Código Civil que conhecemos hoje.
Como em todas as mudanças legislativas, especialmente mudanças abrangentes, há defensores e há críticos, situação natural ao processo legislativo democrático. Tanto assim que há juristas que sequer consideram as alterações propostas uma efetiva reforma, que demandaria alterações mais profundas e estruturais para assim ser denominada.
De todo modo, tem-se um debate relativamente avançado sobre determinados ajustes em disposições do Código Civil, que já conta com 22 anos de vigência, embora se saiba que a redação do Código Civil atual passou por um processo legislativo longuíssimo.
Esse fato, inclusive, era uma das justificativas para as atualizações, sustentadas por aqueles que consideram que o Código Civil de 2002 já “nasceu velho” em algumas disposições, pois a base da redação havia sido elaborada na década de 1970 e, ainda que com diversas alterações durante o processo legislativo, a lei entrou em vigor já no início dos anos 2000.
Assim, uma das grandes justificativas para a atualização do Código Civil era a vontade de muitos juristas de verem positivadas e atualizadas disposições legais mais consonantes com os tempos atuais.
Alterações no Direito de Empresa
Dentre muitas alterações propostas pela comissão responsável pela redação do anteprojeto, interessa para este artigo, especialmente, aquelas apresentadas para o Direito de Empresa, que no Código Civil de 2002 foi incorporado a esse diploma normativo, revogando a maior parte do Código Comercial, o que foi chamado de “unificação do direito privado”.
Em 2002, portanto, o direito empresarial foi introduzido no Código Civil e passou a dele fazer parte, recebendo a influência hermenêutica natural de uma codificação unificada.
Existem, já há algum tempo, propostas para elaboração de um novo Código Comercial, que retiraria as disposições sobre direito empresarial do Código Civil e retornaria ao status de “autonomia” do direito empresarial (ou comercial) que vigia antes de 2002, ao menos do que respeita à codificação.
Embora haja projetos de lei nesse sentido, o que se tem hoje é, ainda, o direito de empresa no corpo do Código Civil.
A comissão do anteprojeto propôs, nesse passo, algumas alterações, que serão analisadas neste artigo e nos próximos desta série.
Mudanças relacionadas ao Direito Societário
Algumas das alterações propostas para a reforma do Código Civil atingem o regramento vigente hoje para o direito societário. Há diversas alterações, mas optamos, neste estudo, por tratar de algumas delas.
A primeira alteração de merece apontamento é a do art. 977 do Código Civil, que vedava a sociedade entre cônjuges no regime da comunhão universal ou da separação obrigatória. A nova redação afasta essa vedação e passa a permitir “aos cônjuges ou conviventes em união estável contratar sociedade, entre si ou com terceiros, independentemente do regime de bens adotado.”
Outra redação que importa em relevante alteração é a do art. 1.011, que passa a atrair para o administrador da sociedade o regime adotado pela Lei das Sociedades por Ações para deveres e responsabilidades do administrador.
Propõe-se ainda, no anteprojeto, a alteração de dois dos dispositivos mais relevantes em matéria de disputas societárias em sociedades limitadas no Brasil: o art. 1.029 e o art. 1.031.
No art. 1.029, que prevê a hipótese de retirada imotivada de sócio, a nova redação deixa claro que, ultrapassado o prazo legal de 60 dias após a notificação pela retirada, o pedido de retirada tem pleno efeito entre os sócios, tornando-se irrevogável e irretratável. Também positiva a possibilidade de o sócio retirante requerer a averbação da notificação no registro da empresa, para efeitos perante terceiros.
O art. 1.031, a seu turno, positiva uma discussão complexa e longa, que vivenciou idas e vindas na jurisprudência e constitui o principal elemento de disputas societárias em sociedades contratuais no Brasil: quanto vale a participação societária do sócio que se retira.
A proposta de redação traz a primazia da disposição contratual, cuja omissão é suprida pela aplicação do método patrimonial ajustado a valor de mercado, isto é, aquele método que atualiza a preço de saída os ativos lançados no balanço patrimonial. O parágrafo terceiro do referido artigo busca afastar, certamente, alegações de aplicação de métodos diversos, como era muito comum ocorrer, normalmente com o sócio retirante pleiteando aplicação de critério de avaliação aplicáveis comumente em transações a mercado.
Um alento para estudantes de Direito e concurseiros, a alteração do Código Civil extingue duas sociedades que praticamente não se verificam mais no direito brasileiro: a Sociedade em Nome Coletivo (arts. 1.039 a 1.044) e a Sociedade em Comandita Simples (arts. 1.045 a 1.051).
Também importante evolução legislativa, que positiva uma prática amplamente difundida no direito societário brasileiro, o art. 1.054 passa a prever expressamente a possibilidade de celebração de acordo de quotistas em sociedades limitadas.
Outra evolução muito interessante é a proposta para o art. 1.076, que equaliza os quóruns de deliberação entre os sócios, fixando-os pela maioria do capital social. Essa alteração complemente recente mudança, ocorrida em 2021, em que diversos quóruns qualificados foram alterados para maioria do capital social. Com a nova proposta, todas as deliberações passam a obedecer o quórum da maioria, reforçando uma norma natural às sociedades empresárias que a redação original do Código Civil de 2002 afastou, causando críticas de considerável parte dos juristas que atuam na área.
No próximo artigo desta série trataremos com mais detalhes sobre alterações referentes à realização de reuniões de sócios e sobre dissolução parcial da sociedade.