Na última semana, fui indagado diversas vezes a respeito do texto da Reforma Tributária (PEC n. 45/2019) aprovado pela Câmara dos Deputado: afinal, é bom ou ruim?
O objetivo deste artigo não será destrinchar cada ponto da Reforma Tributária (até mesmo porque esta não foi ainda aprovada definitivamente), mas auxiliar na compreensão de alguns de seus principais tópicos.
Por que uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional)?
No Brasil, para que haja uma Reforma Tributária ampla, é indispensável a alteração do texto constitucional, uma vez que é a própria Constituição que discrimina especificamente quais tributos cada ente federativo pode criar. Como exemplo, a Constituição (art. 156, inciso I) dá aos Municípios a competência para instituir um Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
Isso significa que cada Município pode criar, dentro de seu território e por meio de lei, um imposto que incida sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU).
Assim, para que haja a supressão de um tributo (como o ICMS ou o ISS, por exemplo), há a necessidade de alterar o texto constitucional, uma vez que, hoje, estes impostos estão especificamente previstos como de competência dos estados e municípios, respectivamente.
Como a Reforma Tributária pretende extinguir 5 (cinco) tributos (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) previstos expressamente na Constituição Federal, bem como criar competência para instituição de outros 3 (três) novos tributos (IBS, CBS e Imposto Seletivo), há a necessidade de uma Emenda Constitucional (instrumento legislativo capaz de alterar a constituição).
Por isso que se fala em PEC, isto é, uma proposta de emenda constitucional, capaz de realizar alterações no texto constitucional.
Uma PEC, por sua vez, deve ser apreciada pelas duas casas legislativas (Câmara e Senado), em dois turnos cada. Atualmente, a Reforma Tributária foi analisada e aprovada apenas na Câmara, de modo que nada do texto é definitivo, uma vez que cabe agora ao Senado analisar a PEC e propor eventuais modificações.
O que muda com a Reforma aprovada pela Câmara?
Conforme mencionado no tópico anterior, o texto da Reforma Tributária aprovado é aquele proveniente da Câmara dos Deputados e ainda não é definitivo. Todavia, o texto, se não for substancialmente alterado pelo Senado, já fornece uma boa ideia das alterações que estão por vir:
a) Alterações no IPVA
Na PEC, o IPVA (Imposto sobre Veículos Automotores) passará por alterações significativas na Reforma Tributária, dentre elas a incidência também sobre veículos aquáticos (lanchas, barcos, iates) e aéreos (monomotores, jatos particulares, etc.).
Apesar do nome sugerir a incidência sobre todos os veículos automotores (que seria o caso de embarcações e aeronaves), o IPVA incide (hoje) apenas sobre veículos automotores terrestres (carros, motos, caminhões, etc.) em razão de decisão judicial firmada pelo Supremo Tribunal Federal.
Todavia, o próprio texto excetua algumas embarcações e aeronaves da incidência do tributo, como é o caso dos veículos que prestam serviços aéreos a terceiros, de transporte aquaviário, pratique pesca industrial ou artesanal, dentre outros.
Além disso, o IPVA agora poderá ser cobrado de forma diferenciada em função do tipo, valor, utilização ou impacto ambiental do veículo. Com isso, é possível a instituição de alíquotas mais elevadas para veículos de luxo, ou mais baixas para automóveis elétricos (e menos poluentes).
b) Modificação no ITCMD
O ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações) também passará por alterações, a fim de garantir a progressividade do imposto (quanto maior a herança ou doação recebida, maior será a alíquota).
Isso já acontece em Santa Catarina, onde as alíquotas do ITCMD variam de 1% a 8% de acordo com o valor ou grau de parentesco.
Todavia, a partir da Reforma Tributária, todos os estados da federação serão obrigados a criar essa progressividade do ITCMD.
c) Base de Cálculo do IPTU
A Reforma Tributária também trouxe uma relevante alteração ao IPTU: a base de cálculo (valor do imóvel) poderá ser majorada por meio de Decreto do Poder Executivo.
Atualmente, a base de cálculo do IPTU pode ser apenas atualizada (nos limites da recomposição inflacionária) por meio de decreto. Todavia, qualquer aumento além desse patamar demanda lei específica.
Com a Reforma Tributária, o Poder Executivo municipal (por meio de Decreto) poderá alterar o valor dos imóveis sem necessidade de lei. Trata-se de alteração que deve ser vigiada de perto pelos contribuintes, uma vez que, apesar de permitir a atualização mais rápida de imóveis que sofrem grande valorização imobiliária, pode levar a abusos por parte do executivo municipal.
d) Previsão de um novo imposto: o Imposto Seletivo.
Apesar de pouco mencionado, a Reforma Tributária cria um novo imposto: o Imposto Seletivo. Esse tributo terá como objeto onerar a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos da lei.
Na PEC não há menção a qualquer alíquota desse imposto, de modo que ficará a cargo do legislativo, agora por meio de lei, criar as alíquotas sobre os bens e serviços supramencionados.
É interessante ressaltar que, apesar de na Reforma assumir a roupagem de um novo imposto, a tributação mais elevada de produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente já ocorre hoje no IPI e no ICMS, através do denominado princípio da seletividade, que autoriza alíquotas bastante elevadas, por exemplo, sobre o cigarro ou bebidas alcoólicas.
e) IBS – Imposto sobre Bens e Serviços
Aqui entramos na verdadeira Reforma Tributária, com a criação de um novo imposto de competência dos estados e municípios que substituirá completamente o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ISS (Imposto sobre Serviços): o IBS – imposto sobre bens e serviços.
Esse novo imposto incidirá sobre operações com bens materiais e imateriais, inclusive direitos, ou com serviços. Isso significa que sua incidência ocorrerá tanto em operações envolvendo circulação de bens, quanto na prestação de serviços. E mais, incidirá também sobre operações que envolvem direitos, como, em tese, seria o caso de aluguéis ou cessão de direitos.
Assim, além de englobar a tributação do ICMS e ISS, isto é, incidir um único imposto sobre mercadorias ou serviços, outros casos de incidência serão criados, como é o que se imagina com os aluguéis, na medida em que são operações que envolvem direitos.
f) CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços
Trata-se também de um novo tributo trazido pela Reforma Tributária, agora de competência Federal e que vem substituir outros três: IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), PIS (Programa de Integração Social) e COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
Sua incidência será a mesma do IBS, isto é, atingirá operações com bens, serviços e direitos. O que muda, nesse caso, é a destinação, cujos recursos serão revertidos à União para o financiamento da Seguridade Social.
Juntas, CBS e IBS prometem uma significativa simplificação do sistema tributário nacional, especialmente em razão da supressão do PIS, COFINS e ICMS. Esses três tributos, nos moldes atuais, são dotados de absurda complexidade, principalmente no que diz respeito à tomada de crédito de insumos nos dois primeiros; e na substituição tributária (ICMS-ST) e operações interestaduais no terceiro.
g) Provável Mudança no Imposto sobre a Renda
A Reforma Tributária, em seu texto, não trouxe nenhuma alteração ao Imposto sobre a Renda (IR), mas determinou que o executivo federal, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, apresente “projeto de lei que reforme a tributação da renda”.
Com isso, apesar de não haver menção expressa, especula-se que a referida alteração diga respeito à tributação de dividendos pagos pela pessoa jurídica ao sócio ou acionista.
Tal medida representaria um ônus significativo aos sócios e acionistas de pessoas jurídicas, na medida que, atualmente, os rendimentos advindos de distribuição de lucros conforme a participação societária são isentos de tributação pelo imposto de renda da pessoa física.
Afinal, vou pagar mais impostos?
A alíquota (a porcentagem que incidirá sobre essas operações) ainda não foi definida, visto que será objeto de Lei Complementar, para a qual nem sequer há projeto até o momento. Assim, qualquer “cálculo” de aumento tributário é mera estimativa, baseada em dizeres de parlamentares que ainda não se concretizaram.
Estima-se que a alíquota da CBS e do IBS, juntos, representem algo em torno de 25% a 30%
Com isso, ainda que não se saiba ao certo a alíquota do tributo, é seguro dizer que a Reforma Tributária, nos moldes atuais, deve ocasionar terão um aumento considerável na tributação do setor de serviços, enquanto a indústria deve ter redução.
Além disso, é interessante ressaltar que, no texto da Reforma Tributária, tanto o IBS como a CBS serão baseadas em um sistema de crédito (que já existe no ICMS, IPI e, para algumas empresas, para o PIS e a COFINS), em que o contribuinte poderá deduzir, ao calcular seu próprio tributo, os montantes de tributos que foram pagos nas operações anteriores.
O setor de serviços, por sua vez, geralmente possui como custo mais substancial o gasto com pessoal, em que não há incidência anterior do tributo e, consequentemente, não há crédito aproveitável.
Com isso, o setor de serviços, além da alíquota mais elevada, deve sofrer com baixa apropriação de créditos, visto que seu custo mais significativo (folha de pagamento) não concede direito à crédito.
A futura alíquota de IBS e CBS, será igual para todas as atividades e em todos os estados?
O texto da Reforma Tributária determina que a alíquota será igual para quaisquer atividades envolvendo bens, serviços ou direitos, mas, no caso do IBS, cada estado definirá suas alíquotas com base em referencial firmado por Resolução do Senado.
Algumas atividades específicas terão essa alíquota reduzida em 60% (sessenta por cento), como é o caso de serviços de saúde, educação, transporte coletivo de passageiros, produtos agropecuários, produções artísticas, culturais, jornalísticas, dentre outras.
Trata-se de rol taxativo e bastante restritivo, cuja inserção de novas atividades certamente será objeto de análise pelo Senado Federal quando da apreciação da PEC.
E o SIMPLES NACIONAL, como fica?
A princípio, na Reforma Tributária não haverá qualquer alteração ao recolhimento unificado previsto na legislação do Simples Nacional (Lei Complementar n. 123/06).
Entretanto, uma empresa no Simples Nacional, ao realizar o recolhimento unificado, pagará apenas uma pequena parcela a título de IBS e CBS, de modo que, ao vender para empresas do Lucro Presumido ou Real, gerará poucos créditos (o crédito decorre do tributo pago na operação anterior).
Assim, uma empresa do Lucro Presumido ou Real que adquirir produtos ou serviços de empresas do Simples Nacional, certamente irá exigir preços inferiores aos que pagaria de outra empresa do Presumido ou Real, uma vez que poderá aproveitar bem menos crédito decorrente dessas operações (como o Simples paga menos tributo, gera menos crédito aproveitável).
Além disso, como ocorrerá às demais pessoas jurídicas, é esperado um aumento no valor de aluguéis, na medida que tanto o IBS quanto a CBS incidiriam sobre operações envolvendo direito (como a locação), que, atualmente, não sofrem com esse ônus.
Por fim, caso aprovada a tributação de dividendos, é possível que as empresas do Simples Nacional sejam incluídas nessa tributação, o que representaria outro aumento da carga tributária.
Então, a Reforma Tributária é boa ou ruim?
Infelizmente, quem leu até o presente momento, sabe que a resposta é: depende. Depende de quê?
i) Do rumo que tomar o Senado: o sistema de crédito será revisto? Outras atividades serão incluídas na redução de 60%?
ii) Da(s) Lei Complementar(es) que será(ão) aprovada(s) regulamentando pontos da Reforma Tributária: a PEC faz 57 (cinquenta e sete) menções à Lei Complementar, isto é, impõe a esta a definição de pontos cruciais da reforma. Como mencionado, a alíquota do Imposto Seletivo, do IBS ou da CBS não constam no texto constitucional, de forma que serão objeto de definição pela Lei Complementar.
iii) Do setor da pessoa jurídica: conforme exposto, o setor de serviços muito provavelmente será bastante afetado com alíquotas superiores e baixo aproveitamento de crédito. Já a indústria terá uma alíquota provavelmente inferior à atual, bem como um largo aproveitamento de crédito.
iv) Da legislação que alterará a tributação da renda: haverá tributação de dividendos? Nesse caso, haverá um incremento tributário a toda a classe empresária brasileira, bem como para investidores e acionistas.
v) Da efetiva simplificação do sistema tributário: como mencionado acima, IBS e CBS prometem simplificar a apuração de tributos, bem como reduzir os impactos da guerra fiscal. Se confirmadamente mais “simples” que seus antecessores, essa certamente será uma relevante vitória do contribuinte.
Dito tudo isso, é importante ficarmos atentos e vigilantes à tramitação da PEC no Senado e, se não mais importante, ficarmos ainda mais atentos à edição das Leis Complementares que prometem regulamentar e balizar as inovações trazidas pela Reforma Tributária.