Vícios construtivos em condomínios: o que é preciso saber?
O tema dos vícios construtivos tem se tornado mais recorrente no dia a dia de incorporadoras e condomínios e, por consequência, levado à análise do Poder Judiciário.
Embora mais frequente, o assunto ainda é controvertido e enseja muitas dúvidas, tanto por parte dos empreendedores e incorporadores, quanto pelo lado dos condôminos e síndicos.
A questão dos vícios construtivos pode abarcar desde imóveis comerciais e industriais até residências e unidades em condomínios edilícios. A delimitação aqui proposta pretende tratar dos casos em que há a incorporação imobiliária, com a figura do incorporador, em construção de edifícios de unidades autônomas sob o regime do condomínio edilício. Ou seja, pretende-se tratar o tema sob o enfoque dos prédios residenciais urbanos e relações travadas entre os condôminos e a empresa incorporadora, coloquialmente chamada de construtora.
O ordenamento jurídico brasileiro protege o adquirente das unidades, atribuindo responsabilidades à incorporadora. Tais responsabilidades vão desde a etapa de projetos e aprovações, licenças, execução da obra, cumprimento de prazos e entregas das unidades. Após o término da construção e entrega das unidades, um dos maiores problemas experimentados pelas incorporadoras é o tema dos vícios construtivos.
Como exemplo, tomam-se os casos de descascamento prematuro da pintura, infiltrações, descolamento de revestimentos cerâmicos ou pastilhados, desplacamento do revestimento de reboco, fissuras e rachaduras.
A obrigação da incorporadora/construtora em entregar um imóvel que atenda aos critérios técnicos, contratuais, legais e de projeto, bem como que se preste ao fim a que se destina, quando descumprida, pode acarretar a responsabilização por vício construtivo, que nada mais é do que a ofensa a algum desses critérios, por vezes previstos em normas técnicas, de maneira que haja um prejuízo no uso e fruição do bem conforme destinação específica.
Os vícios construtivos podem ser classificados, conforme sua origem e natureza, em vícios de concepção, de produção (execução) ou informação. Essa diferenciação é relevante na medida em que permite imputar a responsabilidade ao indivíduo ou empresa incumbido daquela etapa ou elemento construtivo específico. O incorporador, todavia, a depender do caso, responderá pela totalidade do empreendimento e de forma solidária, posteriormente podendo demandar, em regresso, contra o responsável direto pelo vício.
O prazo de garantia previsto no Código Civil
Parte-se, para o entendimento da responsabilidade, do previsto no artigo 618 do Código Civil. Referido artigo prevê que “o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho”. Tal dispositivo legal é interpretado pela doutrina e pela jurisprudência como um prazo de garantia.
Assim, surgindo um problema construtivo na edificação, no prazo de cinco anos contados da entrega da obra, a incorporadora responde independentemente da comprovação de culpa, salvo se provar que o vício foi ocasionado por mau uso ou ausência de manutenção.
Apesar do artigo legal mencionar tal prazo para aspectos de segurança e solidez da construção, deve ser destacado que a interpretação majoritária adota critérios menos rígidos para tais aspectos do que aqueles tecnicamente acolhidos na engenharia.
Desse modo, uma infiltração na pintura ou um descolamento do revestimento pastilhado pode ser interpretado como vício que ofende a segurança e solidez de uma edificação, mesmo que sob a ótica de um engenheiro tais ocorrências não ofendam a segurança e solidez da edificação.
Apesar dessa interpretação extensiva da garantia de cinco anos, os vários elementos construtivos que compõem a edificação, seus sistemas, componentes e equipamentos possuem prazos de garantia específicos. Recentemente, inclusive, foi editada norma que trata das diretrizes para estabelecimento de prazos de garantia de edificações (NBR 17170:2022). A norma traz prazos recomendados que podem servir de parâmetro para incorporadores e construtores.
A relação de consumo no tema dos vícios construtivos
No caso do enfoque aqui abordado, deve ser destacado que entre incorporadora e condômino pode ser reconhecida a existência de relação de consumo, atraindo a incidência das disposições do Código de Defesa do Consumidor. A relação entre condomínio e incorporadora, por outro lado, a princípio não constitui clássica relação de consumo. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça já considerou que tal relação pode ser equiparada à relação de consumo, aplicando no caso os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.
Diante disso, em tais circunstâncias a responsabilização pode ser caracterizada independentemente de aferição da culpa do incorporador.
Outra facilidade na hipótese da relação de consumo é a provável inversão do ônus da prova, sendo conferido ao incorporador o dever de produzir as provas no processo. Ainda, o incorporador deverá, para se eximir da responsabilização, comprovar a inexistência do vício ou a responsabilidade exclusiva do consumidor, que pode estar presente nos casos em que há manifesta ausência de manutenção da edificação.
A questão da manutenção da edificação
Um ponto relevante no tema dos vícios construtivos é a observância das manutenções nos elementos construtivos da edificação. A incorporadora fornece aos condôminos e ao síndico, no momento da entrega do empreendimento, o manual do proprietário. O documento discrimina os prazos de manutenções e as respectivas manutenções dos diferentes sistemas e componentes da construção.
Os proprietários das unidades e o síndico, portanto, devem observar o cumprimento do cronograma de manutenções, reparações ou verificações dispostos no manual, a fim de manter a edificação em bom estado de conservação e funcionamento. Há, inclusive, norma técnica emitida pela ABNT sobre a manutenção predial (NBR 5674), prevendo recomendações importantes de ações e registros.
A ausência de manutenção, ou a manutenção realizada de forma inadequada, pode ser objeto de discussão e matéria de defesa do incorporador, a fim de negar o exercício de garantia ou alguma reparação pelo aparecimento de vício construtivo.
Fundamental, assim, para os condôminos e síndicos o registro de manutenções periódicas que tenham sido realizadas, na forma indicada pelo manual. Por outro lado, aos incorporadores cabe verificar o cumprimento do cronograma de manutenção pelo empreendimento objeto de eventual reclamação.
Os prazos aplicáveis aos vícios construtivos
A questão dos prazos para reclamar os vícios construtivos é outro ponto relevante do tema. Se o vício for de fácil constatação e verificado logo que o empreendimento for entregue, tratando-se de vício aparente, aplica-se o prazo de noventa dias para reclamá-lo, quando a relação for de consumo. Na hipótese de vício oculto, caracterizado por aquele problema que aparece somente com o passar do tempo, o prazo de noventa dias para dar ciência ao incorporador conta-se apenas de quando o vício for conhecido.
Já conforme o Código Civil, quando se tratar de vício tão grave ao ponto de ser desfeito o negócio e devolvido o imóvel (o que se verifica apenas em situações excepcionais, tratando-se de vício redibitório), o prazo é de um ano, contado também de quando se perceber o vício.
Se a demanda, contudo, for de natureza indenizatória, o entendimento jurisprudencial prevalecente estabeleceu o prazo prescricional de dez anos para que seja proposta ação judicial contra o incorporador ou construtor, visando o recebimento de indenização pelo dano causado pelo vício construtivo.
Tal prazo é criticado pela doutrina, tendo em vista o longo período pelo qual submete o incorporador a potencial responsabilização por eventual vício construtivo. Do mesmo modo, há críticas ao já mencionado entendimento do prazo de garantia de cinco anos ser aplicado sem maiores critérios a diversos elementos construtivos que possuem, tecnicamente, menor prazo de vida útil.
Reflexos práticos: o que fazer
Feitas as considerações sobre os aspectos gerais do tema dos vícios construtivos, têm-se alguns questionamentos.
- Como saber se o problema apresentado é de fato um vício construtivo?
A fim de pesquisar a causa do problema, é possível contratar uma assessoria técnica especializada, a fim de que um profissional habilitado faça um estudo e emita um laudo detalhado a respeito do eventual vício. Tal conduta tem o intuito de verificar a vida útil do sistema ou componente em análise, a realização de manutenções adequadas e a forma de uso aplicada.
Tais precauções, tanto de um lado quanto do outro, podem indicar o caminho seguinte a ser seguido, se a questão será resolvida extrajudicialmente (atendimento em garantia ou acordo entre as partes) ou se é necessária demanda judicial.
- Constatado o vício construtivo, o que fazer?
A constatação de que o problema, muito provavelmente, é um vício construtivo, pode encaminhar a resolução para a cobertura em garantia (quando respeitados os prazos e as manutenções), para um acordo extrajudicial (quando houver interesse das partes, ou forte indício de culpa da incorporadora) ou para uma ação judicial, na hipótese em que as partes não concordam sobre a origem e solução do vício.
No curso da ação judicial, em regra, deverá ser produzida prova pericial, no intuito de constatar-se, por terceiro imparcial, as causas e consequências do problema, bem como a caracterização como vício construtivo. A perícia pode ser tanto em relação à edificação em si, quando o vício não foi solucionado, quanto sobre documentos, relatos, fotos, vídeos e laudos técnicos produzidos pelas partes.
Na hipótese de urgência de reparo, ou de incerteza sobre a responsabilidade, pode-se optar pela ação de produção antecipada de prova, que tem por intuito produzir a prova pericial para fundamentar eventual ação condenatória subsequentemente.
Arrematando: atenção à manutenção, aos prazos de garantia e à produção de laudo técnico
É possível extrair das informações acima que a manutenção dos elementos, sistemas e componentes da edificação é de fundamental importância. Da mesma forma, é relevante o registro da correta manutenção empregada no empreendimento.
A observância dos prazos de garantia também deve ser objeto de atenção. Do mesmo modo, uma boa assistência técnica, tanto no caso de laudo extrajudicial, quanto na hipótese de atuação como assistente do perito designado pelo Juízo para a produção do laudo, pode ser determinante para o resultado do processo.
O delineamento aqui proposto elenca alguns dos principais aspectos do tema dos vícios construtivos em condomínios, bem como pontos de atenção para as partes. O assunto, todavia, possui maior profundidade e os tópicos aqui apontados merecem análise específica conforme o caso concreto.
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