Saiba como identificar as abusividades em contratos bancários (empréstimos, financiamentos, etc) de sua empresa. Por meio do afastamento das abusividades, o débito pode ser substancialmente reduzido, declarado quitado ou, em alguns casos, comportar devolução de valores.
Introdução
Grande parte das empresas, em algum momento de sua existência, necessita de acesso ao crédito. Os contratos bancários podem ser essenciais tanto na fase inaugural do empreendimento, em que empréstimos se fazem necessários para viabilizar investimentos, quanto no curso de suas operações ou em momentos de crise, quando o capital de giro pode sofrer variações por diversos fatores, de modo que um “socorro” financeiro pode ser vital.
O que grande parte dos empresários não sabe é que diversos contratos bancários são celebrados com cláusulas que violam as normas que disciplinam as operações financeiras e as relações de consumo. Dentre as principais abusividades, destacam-se os juros abusivos, a venda casada de seguros e a cobrança de tarifas e taxas de forma ilícita.
A boa notícia é que há solução para as ilicitudes praticadas pelas instituições financeiras. Os juros abusivos podem ser limitados por meio de uma ação revisional, cujo referencial é a taxa média de juros praticados à época da operação financeira. As demais cláusulas abusivas podem ser declaradas nulas, tendo por consequência o retorno ao estado de coisas anterior ao momento da contratação da operação de crédito, ou seja, com a restituição dos valores pagos ou com a compensação em relação ao saldo devedor, caso ainda existente.
Juros abusivos em contratos bancários
Todos já ouvimos relatos de empresas que, após realizar uma operação de crédito, encontraram-se diante de obrigações aparentemente infindáveis, cujo valor efetivamente pago ao término da relação contratual é excessivamente superior ao capital concedido. Uma verdadeira bola de neve. Por certo, contratos bancários mal estruturados são capazes de forçar o encerramento das atividades de uma pessoa jurídica, motivo pelo qual o tema abordado mostra-se altamente relevante para aqueles que coordenam as operações de uma pessoa jurídica.
O aspecto negativo, portanto, é que diversas instituições financeiras têm cobrado juros e encargos abusivos nos contratos bancários. Por si, os juros abusivos dão causa à mencionada distorção entre o crédito acessado e o valor pago para fins de quitação. Por outro lado, os dirigentes das pessoas jurídicas precisam saber que em muitos dos casos há solução para afastar a incidência de juros abusivos nos contratos bancários e, como consequência, reduzir o valor devido.
Desse modo, após uma criteriosa análise dos contratos conforme critérios jurisprudenciais, é possível que o devedor promova ação judicial a fim de limitar os juros pactuados ao valor da taxa média de juros divulgada pelo Banco Central à época da contratação. O efeito potencial é a redução substancial do valor devido à instituição financeira.
Em outra oportunidade, abordamos com maior profundidade os principais aspectos a respeito do tema “juros abusivos em contratos bancários”, explicando os critérios de caracterização, a forma de combater a ilegalidade e os possíveis resultados práticos da ação revisional de contrato bancário. Para ver a íntegra, clique aqui.
Resumidamente, ao pactuar contratos tipicamente bancários, caracterizados como operações de crédito (empréstimos, financiamentos etc), mesmo que os dirigentes da pessoa jurídica tenham um nível razoável de conhecimento financeiro, dificilmente terão efetividade na tarefa de aferir a existência de abusividade nas taxas de juros propostas. As taxas de juros são consideradas abusivas e, portanto, nulas, quando extrapolam em certa medida a taxa média de mercado praticada para as mesmas operações à época da negociação.
Caracterizada a abusividade dos juros, pode o devedor buscar a revisão judicial do valor devido, com a possibilidade de redução significativa do débito. Preenchidos os requisitos, a ação revisional se mostra uma forma legítima de viabilizar o pagamento da operação de crédito contraída.
Assim, despesas financeiras por vezes impagáveis podem ser afastadas do radar de risco operacional de diversas empresas que se encontram em dificuldades. Abaixo listamos os aspectos essenciais relacionados aos juros abusivos:
Quando as taxas de juros são consideradas abusivas em contratos bancários?
Não há um critério legal objetivo para determinar quando as taxas de juros em contratos bancários são consideradas abusivas. Dessa forma, para verificar quando há o direito de revisão dos juros pactuados, deve-se recorrer aos precedentes do Tribunais, sempre com o amparo de um profissional.
Antes, porém, é importante destacar que a pessoa jurídica pode figurar como consumidora em uma operação de crédito, de modo a contar com ferramentas extraídas do Código de Defesa do Consumidor. Em sendo o contrato bancário firmado com o destinatário final da operação de crédito, o devedor assume a posição de consumidor. A vedação às cláusulas abusivas está disposta no art. 51, IV e §1º, III, do CDC.
O parâmetro adotado atualmente para aferir a abusividade dos juros remuneratórios é a taxa média de juros praticada à época da contratação da operação de crédito. As taxas médias de juros para cada tipo de operação são divulgadas mensalmente pelo Banco Central, por meio de seu site oficial.
Em suma, segundo o Superior Tribunal de Justiça, é admitida a revisão do percentual dos juros remuneratórios quando aplicável o CDC ao caso e quando exista abusividade no contrato, com base na taxa média de mercado.
Por não ser um critério objetivo, o Superior Tribunal de Justiça admite certa variação entre a taxa média de juros e os juros praticados pela instituição financeira no contrato a ser revisado. Para dar um exemplo, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina possui dois entendimentos dominantes, a depender da Câmara de julgamento:
1) O primeiro deles determina que a variação acima de 10% da taxa média de juros configura abusividade;
2) O segundo compreende que a variação deve ser acima de 50% da taxa média de juros para ser abusiva.
Embora as diferenças pareçam pequenas, a revisão das taxas de juros em contratos bancários pode representar uma diferença gritante no saldo devedor da operação de crédito. Inclusive, em diversos casos é possível constatar que, revisada a taxa de juros de acordo com a taxa média, o saldo já está quitado e que o devedor pagou muito mais do que deveria, cabendo, nesse caso, o pedido de devolução dos valores pagos a maior.
Como funciona a ação revisional de juros dos contratos bancários? É possível reduzir o valor das prestações durante o trâmite do processo?
Verificada a existência de juros abusivos, ao devedor é facultada a possibilidade de requerer a intervenção judicial por meio de ação revisional. O objetivo da ação é alterar a taxa de juros originalmente pactuada, de modo que sejam fixados juros em consonância com a taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central à época da contratação.
Para tanto, o consumidor deverá demonstrar a abusividade das taxas praticadas no contrato bancário. Os documentos essenciais ao processo são:
a) contrato bancário questionado;
b) comprovantes de amortização, mês a mês, do débito;
c) demonstração da taxa média de juros divulgada pelo Banco Central no período da contratação da operação de crédito (acesso por meio do site oficial do BACEN).
Em caso de sucesso da ação, a diferença entre o valor cobrado pela instituição financeira (com base nos juros abusivos) e o montante efetivamente devido pelo consumidor (com base na taxa média de juros) será consolidada na fase de liquidação de sentença.
Nas hipóteses em que o valor discutido na ação for considerável, sugere-se a contratação de um profissional especialista em cálculos contábeis.
Em casos específicos, é possível pleitear, por meio de pedido liminar, a redução das prestações pagas ou até mesmo a suspensão dos pagamentos. No entanto, por ser uma medida de elevado grau de intervenção, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu critérios para que haja a concessão da tutela de urgência:
1) Deve haver ação em curso fundada na existência integral ou parcial do débito;
2) Deve haver demonstração de que a alegação de cobrança a maior apresenta fundamentos sólidos e possui jurisprudência consolidada do STF ou STJ;
3) Deve haver depósito da parcela incontroversa ou ser prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz.
O importante é ter ciência de que o deferimento da medida liminar depende tanto de robusta prova documental quanto da disponibilidade para o pagamento do débito incontroverso (levando em conta a taxa média de mercado na data da contratação).
Por fim, havendo prova de que o débito foi anteriormente quitado por meio das amortizações efetuadas com base nos juros abusivos, deve a empresa pleitear a imediata suspensão das cobranças das parcelas pretendidas pela instituição financeira, bem como, no mérito, a restituição de eventuais valores pagos a maior.
Venda casada de seguros
Conforme explicado anteriormente, mesmo que o devedor de uma operação financeira seja uma empresa, é possível vislumbrar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Assim sendo, há vedação expressa à venda casada, ou seja, ao condicionamento do fornecimento de um produto ou serviço à contratação de outro produto ou serviço, nos termos do art. 39, I, do CDC.
A indesejável prática de condicionar o acesso ao crédito à contratação de um seguro é recorrente. Apesar de parecer um produto acessório de pouco significado, o valor de um seguro pode representar parte considerável do crédito concedido em favor da empresa. Detalhamos a prática em um artigo específico, que você pode acessar clicando aqui.
Em resumo, para verificar se o contrato foi acometido com a prática de venda casada, deve-se verificar, em três etapas, a forma da contratação, como descrito abaixo:
1) A contratação do seguro foi condição para a concessão do crédito?
À exceção das operações de crédito em que o seguro é obrigatório (como financiamentos do Sistema Financeiro Habitacional), caso tenha havido condicionamento, está verificada a prática abusiva.
2) O consumidor foi claramente informado a respeito do direito de não contratar o seguro?
Na hipótese de não haver demonstração de que a instituição financeira deixou evidente a possibilidade de não contratar o seguro, constata-se a existência de venda casada.
3) O consumidor escolheu a seguradora que prestaria o serviço?
Ultrapassadas as etapas acima, ainda deve a instituição financeira demonstrar que não houve direcionamento para a contratação de determinada seguradora, mas que o consumidor pôde escolhê-la livremente, caso tenha optado por contratar o seguro. Sendo constatada a existência de venda casada, pode a empresa requerer a declaração de sua nulidade, já que as cláusulas contratuais abusivas são consideradas nulas de pleno direito (art. 51, IV, do CDC). Como consequência, os valores pagos a título de seguro deverão ser restituídos à empresa que foi submetida à venda casada.
Taxa de Abertura de Crédito (TAC), Tarifa de Contratação e Tarifa de Emissão de Carnê ou Boleto (TEC)
Não bastassem as práticas descritas nos tópicos anteriores, parte das instituições financeiras busca, por vias transversas, elevar sua remuneração (e, por via de consequência, o custo efetivo da operação de crédito) por meio da cobrança de taxas e tarifas.
Ocorre que a remuneração da instituição financeira pelo serviço de concessão de crédito é efetuada pelos juros remuneratórios. À vista disso, o Conselho Monetário Nacional editou a Resolução n. 3.518/2007, que vedou, a partir de 2008, a cobrança de Taxas ou Tarifas de Abertura de Crédito, de Contratação e de repasse dos valores de emissão de boletos.
Ora, por serem custos inerentes às atividades desempenhadas pelas instituições financeiras, estes deveriam estar inseridos no cálculo das taxas de juros. A prática ocorria para dar ao consumidor a impressão de que os juros eram baixos, ao passo que havia a cobrança apartada das taxas e tarifas. Contudo, se os valores fossem somados aos juros remuneratórios, seria possível verificar uma elevação significativa das taxas praticadas.
A ponderação que merece ser feita é quanto à possibilidade de cobrar a Tarifa de Abertura de Crédito, desde que feita no momento inicial da relação entre instituição financeira e consumidor. Ou seja, caso a empresa já tenha relacionamento com a instituição financeira, a tarifa não pode ser cobrada em razão da contratação de uma nova operação de crédito.
Novamente, é possível ver a declaração de nulidade das cobranças acima, com a consequente devolução dos valores, sob o fundamento de que a inserção das cláusulas é abusiva.
Conclusão
Vive-se em um contexto em que o acesso ao crédito é essencial para o início, manutenção ou mesmo recuperação das atividades econômicas das empresas. No entanto, as práticas abusivas discutidas no presente artigo são capazes de causar graves danos aos consumidores, por agravarem os já elevados custos de uma operação financeira. Por vezes, um determinado contrato bancário se torna “intransponível” por conta da elevação substancial de seu custo efetivo em razão de abusividades praticadas.
Após análise criteriosa do instrumento contratual por um profissional de sua confiança, havendo viabilidade, deve o consumidor buscar a revisão de seu contrato por meio de ação judicial, em que se buscará a fixação dos juros em consonância com as taxas médias de mercado, assim como a declaração de nulidade das demais cláusulas abusivas.
Com eventual procedência da ação, é possível vislumbrar a redução significativa do saldo devedor. Inclusive, em diversos casos verifica-se que o consumidor já havia saldado o débito e seguia pagando valores pautados em juros abusivos, hipótese em que cabe o pedido de devolução dos valores pagos a maior.
Deve-se, em todo caso, buscar um advogado para analisar o instrumento contratual que se pretende revisar e verificar a viabilidade da ação judicial. Este profissional poderá analisar com precisão a adequação aos critérios que caracterizam abusividade e fornecer as orientações pertinentes a cada caso com segurança e confiabilidade.
E não se preocupe, caso você não localize o instrumento contratual, saiba que as empresas são obrigadas a manter cópias dos contratos celebrados. Desse modo, deve o consumidor solicitá-los formalmente. Não obtendo êxito junto ao banco, pode o consumidor requerer a inversão do ônus da prova no curso do processo, que servirá para obrigar a instituição financeira a trazer aos autos do processo os documentos mencionados pelo consumidor. Caso o banco se recuse a entregá-los, a presunção de veracidade das afirmações feitas pelo consumidor deverá prevalecer.
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